Resumos





SEXTA-FEIRA, 24 FEVEREIRO
CONFERÊNCIA DE ABERTURA:
Ciência, História, Museus Naturais e Arquivos: cartografias de História da Ciência (XVIII_XX)
Maria Margaret Lopes - Museu de Astronomia e Ciências Afins - Rio de Janeiro, Brasil
Cartografar a História das coleções, dos museus, das ciências, em abordagem de temática tão abrangente, exige necessariamente opções temáticas e cronológicas.
Nessa perspectiva, o aprofundamento das intersecções das Ciências, da História, dos Museus e Arquivos, do conjunto de objetos e documentos armazenados nas instituições de pesquisa das mais diversas ordens será tratada, sem intenção de apresentar uma revisão da área de estudos, considerando a “ciência analítica/comparativa ou museológica/diagnóstica”. Isto é, as práticas científicas que desenvolvidas desde o XVIII, ao longo do século XIX permaneceram atuantes, identificáveis, até bem adentrado o século XX. Aspectos tanto das trajetórias dos objetos nas coleções, como dos museus, especialmente brasileiros e argentinos e suas influências e inter-relações internacionais ilustram, que o que está se passando a tratar em larga escala, são novas conjunções de objetos, de públicos, de políticas e de profissionais nos dias de hoje.

PAINEL 1 – ESPAÇOS E ACTORES: LUGARES DA CIÊNCIA 
GeoCiências: história e práticas científicas em Portugal (XIX-XX)
Uma questão em aberto: o “Museu de Geologia Colonial”
José Brandão – Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência, Universidade de Évora
PALAVRAS-CHAVE: Geologia; Império Colonial; museus; coleções
RESUMO. Desde cedo se reconheceu que à Geologia cabia um papel fundamental entre as diversas temáticas de interesse colonial. De facto, no âmbito desta ciência, suporte essencial dos trabalhos de reconhecimento da aptidão dos solos e implantação das obras de engenharia, encontram-se matérias tão sensíveis como os recursos minerais e os combustíveis fósseis, as reservas de água subterrânea e os materiais de construção.
Bandeira da Sociedade de Geografia de Lisboa, desde a sua fundação, a questão da exploração científica das colónias agudizou-se com as crescentes pressões políticas internacionais na sequência da Conferência de Berlim (1884-85) e do Ultimato inglês (1890). Contudo, não obstante as notícias sobre incontáveis “riquezas” do subsolo das colónias e a realização de algumas expedições patrocinadas pela referida Sociedade, o Governo pouco investiu neste domínio.
Tal desiderato implicava também a questão da preparação dos agentes da colonização, os quais deviam ser devidamente instruídos para que pudessem contribuir eficazmente para o reconhecimento do potencial dos territórios ultramarinos. Portugal precisava por isso, de estruturas de carácter técnico-cultural que, não só apoiassem a formação dos futuros funcionários coloniais como também dessem a conhecer, mediante mostruários devidamente organizados, a diversidade do Império e as suas possibilidades comerciais. Sublinhe-se que até então, o país contava apenas com o Museu Colonial constituído no Arsenal por iniciativa do Ministério da Marinha e do Ultramar (1870), cujo acervo foi incorporado no museu da Sociedade de Geografia, dando origem ao Museu Colonial e Etnográfico na dependência desta última instituição (1892).
No campo mais restrito das Geociências, para além de algumas missões de investigação iniciadas no último quartel do século XIX apadrinhadas pelo Museu Nacional de Lisboa instalado na Escola Politécnica, devem sublinhar-se os pedidos oficiais para que as autoridades em serviço nas províncias ultramarinas colhessem e enviassem para a metrópole amostras de rochas e fósseis das respectivas regiões, tarefas para as quais a Sociedade de Geografia fizera elaborar e distribuir, oportunamente, “instruções” adequadas.
Mercê de sucessivas ofertas, foram-se avolumando as colecções do Ultramar, com particular relevo para as provenientes de África, tornando praticamente incontornável a constituição de “Salas” específicas para dispor estes documentários. A primeira surge em 1905 no seio do museu da Comissão Geológica do Reino; a segunda, denominada Sala do Império Colonial Português, é criada ca. de 1936, no Museu Mineralógico e Geológico da Faculdade de Ciências de Lisboa.
Estas “Salas” não visavam substituir-se nem a um “verdadeiro” museu colonial que concatenasse, em sede própria, as diferentes expressões do património natural e cultural dos territórios ultramarinos, nem tão pouco a um “Museu de Geologia Colonial” constituído à imagem dos criados por outras potências, avaliando-se a sua independência daquelas entidades ou a sua subordinação aos Serviços Geológicos do Estado.
Os anos passaram e nenhuma destas hipóteses se concretizou, embora amplamente discutidas e equacionadas até em letra de lei. Desta forma as referidas “Salas”, a que se somou anos depois a “Galeria Colonial” da Universidade de Coimbra, mantiveram-se até ao seu esvaziamento científico e político, por razões a que não foi estranha, entre outras, a criação, em Angola e Moçambique de museus da especialidade.
Na presente comunicação passam-se em revista alguns traços destas estruturas museológicas, recordam-se os seus principais obreiros e referem-se alguns reflexos científicos da sua criação.

Um projecto de musealização para o Gabinete de História Natural da Ajuda (1768_1836). História, Colecções, Espaços
João Brigola – Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência, Universidade de Évora
Luís Ceríaco - Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência, Universidade de Évora
O Gabinete Real de História Natural da Ajuda, fundado em 1768 e dirigido pelo naturalista paduano Domingos Vandelli, constitui-se como o mais importante estabelecimento cientifico e museológico da segunda metade do século XVIII e início do século XIX português. Rico em produtos dos três reinos da natureza, este estabelecimento foi o repositório de diversas coleções naturalistas, entre as quais as famosas coleções da "Viagens Philosophicas", e em particular, da viagem de Alexandre Rodrigues Ferreira ao Brasil. Pela sua importância cientifica, cultural e politica, o gabinete foi visitado por diversos personagens, de meros curiosos a reputados naturalistas estrangeiros, como Geoffroy Saint Hilaire que, enquanto comissário napoleónico, fez transportar para o Muséum national d´Histoire Naturelle, em Paris, um avultado número de exemplares da Ajuda. Todos estes visitantes, mas também documentos internos, na sua maioria inéditos, permitem-nos conhecer de forma consideravelmente detalhada o que foi, como era constituído, como estava exposto e o que se passava no dia a dia do Gabinete. Na conjugação de todos estes dados históricos, e do facto de o próprio edifício e alguns exemplares ainda existirem hoje em dia, a ideia de recriar aquele que foi um dos mais afamados estabelecimentos científicos nacionais é um resultado natural e expectável. No entanto, existem várias questões, técnicas, científicas, políticas e estruturais que exigem que essa recriação seja objeto de profunda reflexão e discussão. A exequibilidade do projeto depende, numa primeira fase, da disponibilidade do local, o qual necessita de um estudo e intervenção prévia, devido ao seu atual estado. Por outro lado, a própria natureza desta "recriação" impõe escolhas prévias, isto é, sobre a sua função, público e enquadramento institucional. Por fim, a natureza do tipo de coleções nele expostas, ou a eterna questão sobre o regresso, seja ele definitivo ou temporário, de todos (ou apenas alguns), dos espécimens originários da Ajuda e hoje dispersos por várias instituições nacionais e internacionais, exigem uma vez mais uma longa reflexão e estudo prévio. Pretende-se nesta comunicação apresentar, à luz de novas investigações em curso, uma imagem detalhada e o mais completa possível do que foi o Gabinete Real de História Natural da Ajuda, e deixar hipóteses, cenários e questões do que poderá vir a ser a sua recriação.

Jardins Botânicos Vitorianos: Cultura, Ciência e Império
Luís Mendonça de Carvalho - Museu Botânico (Instituto Politécnico de Beja) e Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência, Universidade de Évora
Francisca Maria Fernandes - Museu Botânico (Instituto Politécnico de Beja)
A concepção do jardim científico teve a sua génese durante o Renascimento, contudo, os jardins botânicos apenas surgiram na sequência do Iluminismo, quando a razão se combinou com a estética e com uma inovadora procura do conhecimento científico. No século XIX, as grandes cidades europeias iniciaram uma inexorável expansão, na qual o espaço não era um factor limitante e é nesse contexto de planeamento urbano que surgiram os jardins botânicos europeus durante o século XIX.
Embora as grandes epopeias marítimas tenham sido desenvolvidas no final do século XV e durante o século XVI, as viagens científicas ocorreram no final do século XVIII e no século XIX. Durante este período, os europeus adquiriam uma apurada consciência da diversidade dos recursos biológicos e a história natural alcançou uma posição nunca antes tida na ciência europeia e nos interesses económicos e políticos dos novos impérios ultramarinos. Os jardins botânicos deixaram de ser teatros botânicos nos quais se observava a ordem e o poder criativo divino para desempenharam um papel activo na política económica e na definição de estratégias agrícolas e florestais dos territórios coloniais administrados pelos europeus.
No império britânico, a génese destas instituições científicas foi paralela à expansão colonial - quando a Rainha Vitória ascendeu ao trono (1837) existiam no Império Britânico cerca de dez jardins botânicos activos; quando faleceu (1901) existiam mais de cem. O principal jardim botânico do império estava situado em Kew (Richmond, arredores de Londres) e a sua acção foi central na introdução da borracha e da quineira no sudeste asiático, do sisal na África Oriental, do chá no Ceilão (Sri Lanka), etc.. Nos Jardins Botânicos de Kew formaram-se centenas de botânicos e curadores que eram enviados para as colónias para aí auxiliarem o desenvolvimento agrícola e a implementação de políticas económicas definidas em Londres.
Quando a Era Vitoriana chegou ao fim, os jardins botânicos começaram a ser vistos como relíquias de um período colonial que se transformou. A sociedade britânica evoluiu, a história natural deixou de ocupar uma posição central nas discussões científicas e os jardins botânicos passam a ser, primariamente, locais de lazer e de educação científica.

A criação do Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra (1799) e o estabelecimento do seu programa científico
Fernando B. FigueiredoCentro de Geofísica da Universidade de Coimbra
A criação do Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra (OAUC), fundamental para a institucionalização da ciência astronómica em Portugal, decorreu durante um período (segunda metade do século XVIII) em que a Astronomia, sustentada pelos grandes avanços teóricos da mecânica celeste e da matemática aplicada, tentou resolver as grandes questões que desde Newton vinha enfrentando.
As questões ligadas aos problemas de navegação, geodesia e cartografia, determinação de órbitas de planetas e cometas e medições astrométricas estão também na base da criação e planificação do Observatório de Coimbra – o primeiro Observatório Astronómico do país ligado à Universidade mas com profundas características de um Observatório Nacional.
A ideia de criar um Observatório Astronómico surge desde logo nos Estatutos Pombalinos (1772) a propósito da cadeira de Astronomia. A sua criação tinha dois objectivos distintos: um a leccionação e a prática da astronomia universitária e o outro, o desenvolvimento da própria ciência astronómica.
A construção do referido Observatório esteve planeada inicialmente para o sítio do Castelo da cidade. Contudo, tal obra, apesar de iniciada, não se viria a concretizar devido ao seu elevado custo. Para suprir as necessidades lectivas foi, entretanto, edificado, por volta de 1775, um pequeno Observatório provisório no terreiro do Paço das Escolas – Observatório esse que viria a funcionar provisoriamente durante cerca de 15 anos!
Em finais da década de 80 a inexistência de facto de um verdadeiro Observatório Astronómico na Universidade torna-se um problema premente. É através da estreita colaboração entre Monteiro da Rocha e o arquitecto Manuel Alves Macomboa, com o impulso político do 2º governo mariano, que surgirá o projecto definitivo para este estabelecimento, que aprovado pela Universidade em 5 de Fevereiro de 1791 se vê concluído em 1799.
Após a inauguração a sua actividade científica, da inteira responsabilidade de Monteiro da Rocha (1734-1819), centra-se no cálculo e na publicação das emblemáticas 'Ephemerides Astronomicas’ (1803).
Nesta comunicação pretendemos relatar a história da criação do Observatório Astronómico e o estabelecimento do seu principal programa astronómico, centrado na mecânica celeste.

Espaços e actores do ensino da electricidade em Portugal (1852 -1926)
Ana Cardoso de Matos – Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades – Universidade de Évora
A electricidade foi uma das disciplinas ensinadas no Instituto Industrial de Lisboa criado em 1852, onde graças à iniciativa do físico Francisco da Fonseca Benevides foi organizado um moderno laboratório de electricidade e foram sendo introduzidos os mais recentes desenvolvimentos da energia eléctrica e das suas aplicações.
Com a criação do Instituto Superior Técnico (IST) surgiu o ensino da electricidade e da electrotecnia, disciplinas que ficaram a cargo de dois engenheiros: Maximiliano Gabriel Apolinário, um engenheiro português diplomado pela Universidade de Liége, e Léon Fech, um engenheiro belga também diplomado pela Universidade de Liége. Deste instituto saíram vários engenheiros que, nas décadas seguintes, vieram a ter um importante papel no desenvolvimento do sector eléctrico em Portugal.
Nesta comunicação propomo-nos analisar:
- a evolução do ensino da electricidade desde o Instituto industrial até a criação do primeiro curso de engenharia electrotécnica leccionado no IST.
- os espaços de ensino da electricidade e a sua evolução ao longo do tempo.
- o papel dos engenheiros formados no IST no desenvolvimento do sector eléctrico em Portugal.

Ciência e Técnica na imprensa militar (1851-1914): circulação e trocas de conhecimentos
José Luís Assis – Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência, Universidade de Évora
A Regeneração surgiu em Portugal após as lutas civis e dos golpes que consagraram os militares como os grandes protagonistas. Esse clima afastou qualquer possibilidade de que propiciasse a realização de discussões associadas à cultura técnica e científica tão necessária ao desenvolvimento e progresso do país. Apesar desses constrangimentos, a Regeneração iria afirmar-se tendo como alicerce as ideias positivistas que permitiriam a criação de uma nova sociedade. O atraso técnico e científico que decorreu do quadro político-militar tornara-se desprestigiante para o exército. É no sentido de alterar esse quadro político que em Dezembro de 1848, Fontes Pereira de Mello, se reuniu em Lisboa com um grupo de oficiais e fundaram a Revista Militar, periódico técnico e científico. A linha editorial vinca a importância da Ciência no progresso da humanidade e o papel da imprensa periódica científica na democratização do saber e no desenvolvimento do país que sessenta anos depois a República Portuguesa reconheceria.
A imprensa militar, pela relação estreita que estabeleceu entre os diversos conhecimentos técnicos e científicos, contribuiu como factor paradigmático para o aparecimento de uma nova era na historiografia portuguesa em que os militares seriam os mais habilitados para, num momento de paz, se tornarem os difusores das mais recentes conquistas científicas que iam ocorrendo nos países europeus mais desenvolvidos. Nascem novos conceitos e novas visões do mundo a partir de permutas com outros periódicos europeus e americanos, de visitas realizadas a exposições internacionais e universais, de viagens científicas e conferências internacionais a Londres e a Paris. Numa sociedade culturalmente incipiente, não admira que fossem os militares, particularmente os engenheiros e médicos militares, os mais aptos a divulgar uma ciência ainda militarizada, (Nunes, 2005, 9). Esses militares dotados de determinados conhecimentos vão inserir-se na sociedade civil, tornando-se os mais aptos técnica e cientificamente para acompanhar e aplicar as conquistas que nesse domínio interessavam à modernização do país. A divulgação de «conhecimentos úteis», terminologia utilizada na época, iria a partir da segunda metade de oitocentos inaugurar uma nova era no panorama cultural e cientifico português. Foram Homens que implementaram um conjunto de práticas científicas e destreza técnica que só eles souberam colocar ao serviço da Nação, obedecendo aos princípios do utilitarismo liberal e à valorização de um publicismo técnico e cientifico como forma de educar e civilizar o Povo ou os Povos conforme a retórica oitocentista. É neste quadro sequencial e encadeado de práticas técnicas e científicas que percebemos a queda da fronteira entre a sociedade civil e a militar. É com alguma surpresa que encontramos na segunda metade do século XIX, personalidades envolvidas nas práticas e actualizações técnicas e científicas da imprensa militar.
Pretendemos com esta comunicação apresentar a leitura e interpretação de alguns textos científicos sobre exposições, congressos e viagens científicas publicados e difundidos pela imprensa científica militar. Esta abordagem implicará um olhar sobre as relações entre os elementos científicos do contexto técnico e científico nacional e europeu de modo a conseguir-se compreender a importância e significado das opções tomadas.

As radiocomunicações como espaço de inovação
Maria Inês Queiroz – Instituto de História Contemporânea – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Lisboa
A introdução das radiocomunicações nas redes de comunicação mundiais, a partir dos últimos anos do século XIX, inscreve-se num contexto de desenvolvimento acelerado dos processos de invenção e de inovação associados às telecomunicações. No quadro concreto português, e já no início do século XX, as comunicações sem fios importaram não só a tecnologia que lhes estava associada mas também o conhecimento científico e os factores de modernização que viriam mostrar-se determinantes em matéria de desenvolvimento nesta área, com evidentes repercussões na actividade económica.
E foi neste sentido que as radiocomunicações se constituíram como espaço fundamental de modernização e inovação, designadamente, e como se pretende observar nesta comunicação:
1. No quadro do pensamento científico, tratando-se de um novo espaço no domínio da ciência aplicada e no modo de pensar a ciência;
2. Como modernizador de espaços de comunicação, no que se refere aos meios e vias de construção das redes de comunicações;
3. Como espaço agregador e gerador de inovações – quer em matéria de desenvolvimento das redes, equipamentos e estações, como no que se refere à formação e experiência técnica.
4. Como espaço de dimensões e importâncias variáveis consoante os contextos de ruptura e transformação, interagindo com eles, alterando-os e deixando-se alterar.
5. Como espaço de alteração dos quotidianos e do modo de olhar a ciência.

Laboratórios Universitários na I República: espaços de ciência entre a tradição e a modernidade
Ângela Salgueiro - Instituto de História Contemporânea – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Lisboa
Nas vésperas da I República a actividade científica das instituições de ensino superior era bastante modesta. Os seus estabelecimentos anexos como os gabinetes, laboratórios e museus, encontravam-se depauperados, sem meios para desenvolver trabalhos de investigação aplicada, destinando-se, sobretudo, ao apoio e exemplificação das aulas teóricas, à introdução dos alunos ao trabalho prático e ao apoio à realização de dissertações académicas. O Instituto Bacteriológico de Câmara Pestana, que reunia uma dinâmica plêiade de jovens investigadores, estava ainda fora desta órbita.
A implantação da República permitiu reestruturar profundamente o ensino superior português, tendo em linha de conta os ideais republicanos de promoção da Ciência e do Racionalismo, favorecendo um ensino de tipo experimental que seguia o modelo humboldtiano de universidade e o desenvolvimento da investigação científica, problemática que alguns republicanos eminentes, como Bernardino Machado, relacionavam com própria sobrevivência nacional. Esta conjuntura permitiu uma multiplicação dos estabelecimentos anexos às instituições universitárias, que se revestiram de uma organização mais complexa, por desenvolverem competências em domínios como o ensino, a investigação, a aplicação económica e a própria assistência social. Favoreceu também a emergência de uma nova elite científica, internacionalizada e extremamente familiarizada com o espaço laboratorial, com a sua sociabilidade e os seus rituais, que contribuiu activamente para a discussão em torno das novas problemáticas científicas. Não obstante, a permanência de alguns problemas estruturais associados à própria instabilidade política, social e económica do regime republicano e a diversas limitações nas iniciativas reformistas levaram a um desenvolvimento heterogéneo dos laboratórios universitários, criando desigualdades difíceis de ultrapassar.
Neste sentido, pretende-se explorar o processo de expansão e institucionalização de uma nova noção de laboratório/ instituto universitário durante o período histórico da I República portuguesa, tendo em atenção as resistências e constrangimentos a que esteve sujeito, bem como os seus sucessos e insucessos através da análise de alguns organismos específicos.

O Club Photographico Lisbonense (1861). A primeira associação fotográfica criada em Portugal
Carmen Almeida - Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência, Universidade de Évora
A despeito da participação científica na génese fotográfica, a adesão dos cientistas ao seu uso não foi imediata: se bem que parecesse satisfazer o novo ideal emergente de objectividade mecânica nas ciências naturais, cedo, os homens de ciência e o público em geral começaram a questionar a reclamação da verdade baseada em fotografias, bem como os critérios pelos quais ela podia ser aceite como evidência científica. Estes debates irromperam em clubes e associações mais ou menos informais, laboratórios, observatórios e encontros científicos, bem como em exposições internacionais e periódicos ilustrados até cerca de 1870.
 O Edinburgh Calotype Club (1842?) foi o primeiro clube fotográfico a ser fundado no mundo, de que fazia parte um grupo de ilustres amigos de Fox Talbot. Em 1853, foi fundada a Royal Photographic Society, tendo como modelo a Calotype Society e a sua contemporânea francesa, a Societé Heliographique (1851) que, dois anos mais tarde, daria lugar à Societé Française de Photographie.
No seio destas sociedades, verdadeiros laboratórios, por onde passavam os mesmos cientistas que pertenciam, por exemplo, à Geological Society, à Chemical Society, ao Meteorological Council´s, ou, no caso francês, à Academie Française des Sciences, para além de um vasto número de amadores fotográficos, decorriam animados debates, em torno da ambiguidade do estatuto da fotografia.
Em Portugal a primeira associação, ou clube fotográfico, surge em Lisboa, em 1861, fortemente inspirado pelos modelos ingleses e franceses.
A análise dos seus estatutos e a caracterização socioeconómica dos seus fundadores permitem identificar os agentes de divulgação do novo invento e as formas de apropriação e circulação do novo saber, bem como conhecer os respectivos espaços de transmissão e ainda compreender o estatuto social e científico que a fotografia tinha então no nosso país, bem como intuir uma certa política nacional perante o novo (?) invento.
Palavras-chave: Centro; circulação do saber; comunicação; cultura científica; fotografia; história da ciência; história social; periferia; popularização da ciência; redes de saber.

O Hospital de Santa Marta no Nascimento da Psicocirurgia: espaços, ideias e atores
Manuel Correia – Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX
Célia Pilão - Centro Hospitalar de Lisboa Central
A principal referência institucional da Psicocirurgia é o Hospital de Santa Marta, também Hospital Escolar até 1953, ano em que essa funcionalidade foi transferida para o recém construído Hospital de Santa Maria. Foi nas instalações do Serviço de Neurologia deste Hospital que equipa de Egas Moniz procedeu às primeiras leucotomias no final de 1935.
À descrição sumária do espaço e da estrutura institucional junta-se a caracterização dos principais atores, alguns também membros do corpo clínico deste Hospital, diretamente envolvidos quer na experimentação que conduziu quer à Angiografia Cerebral quer à Leucotomia pré-frontal.
Entre os fatores apontados para a credibilização e aceitação do método leucotómico de Moniz e Lima, é dado realce à sua posição institucional universitária e hospitalar, sublinhando-o e relacionando-o com a produção do discurso persuasivo que acompanhou a divulgação da sua prática.


Casa de Saúde do Telhal na História da Psicocirurgia:  Ideias, Espaços, Práticas e Protagonistas
Aires Gameiro - Ordem Hospitaleira de S. João de Deus, CLEPUL, CEIS20 e IPCDVP-FPCE-UC
Manuel Correia Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX
Augusto Moutinho Borges - Instituto Politécnico da Guarda, CLEPUL e CEIS20
A atual Casa de Saúde do Telhal teve a sua origem em finais do século XIX (1893) como colónia hospitalar de alienados.
A sua orgânica assistencial foi edificada com base num sistema de pavilhões separados por patologias e desenvolvimento das práticas de ergoterapia diversificada. Foi centro de formação da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus e Escola de Enfermagem, albergando a sede do primeiro Museu da Loucura.
A Casa de Saúde do Telhal, em cuja Clínica Cirúrgica foram levadas a cabo algumas das primeiras leucotomias nos anos 1930 e 1940, desempenhou um papel de primeira grandeza na História da Psicocirurgia, facilmente analisado na vasta documentação e bibliografia especializada existente sobre o tema.
Os autores caracterizam o espaço e a instituição, resumindo os principais aspetos históricos, referindo os principais atores e a forma como o método foi associado a outras terapêuticas da época.

PAINEL 2 – ORGANIZAÇÃO DA CIÊNCIA: PROMOTORES E ORGANISMOS
La lucha por la modernidad: La Junta para Ampliación de Estudios y sus protagonistas
CONFERÊNCIA DE  José María López Sánchez  - Universidad Complutense de Madrid
La creación de la Junta para Ampliación de Estudios e Investigaciones Científicas (JAE) en enero de 1907 marcó un antes y un después en la política científica de España durante su contemporaneidad. Con la fundación de la JAE se daba un importante paso para poner fin al retraso que en materia científica presentaba el país a comienzos del siglo XX en comparación con las naciones más avanzadas de su entorno. Desde finales del siglo XIX los círculos intelectuales cercanos a la Institución Libre de Enseñanza no habían cesado en la denuncia de las consecuencias que esto había tenido para el retraso social y económico del país. La Junta era la respuesta que tan largamente habían esperado. La JAE puso en marcha dos instrumentos esenciales para propiciar la creación de un sistema científico moderno en España: las pensiones (becas) al extranjero con el fin de preparar un personal científico competente que conectara con los desarrollos de la ciencia internacional y, en segundo lugar, la creación dentro de España de institutos y laboratorios de investigación que pudieran recoger los frutos de los pensionados a su regreso. Dos fueron los centros de investigación que la JAE financió: El Centro de Estudios Históricos, dedicado al estudio en ciencias humanas y sociales, y el Instituto Nacional de Ciencias Físico-Naturales, orientado a los trabajos en biomedicina, ciencias naturales y ciencias físico-químicas. En sus instalaciones trabajaron la flor y nata de la ciencia española del primer tercio del siglo XX: Santiago Ramón y Cajal, presidente de la JAE, Ignacio Bolívar, director del Museo Nacional de Ciencias Naturales, Blas Cabrera, director del Instituto Nacional de Física y Química, y Ramón Menéndez Pidal, director del Centro de Estudios Históricos, entre otros muchos importantes nombres de la ciencia española de comienzos del siglo XX.

Génese e estruturação da organização do sistema científico português. Criação e missão da Junta de Educação Nacional
Maria Fernanda Rollo - Instituto de História Contemporânea – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Lisboa
Esta comunicação estuda a génese da organização do sistema científico português abordando três aspectos principais: i) a emergência do pensamento e do debate e as primeiras acções no sentido da criação de um organismo de promoção e organização da ciência em Portugal; ii) o contexto internacional, compreendendo a análise comparativa com outros casos nacionais, em que se inspiraram e inscreveram as primeiras experiências de organização do sistema científico português; iii) a criação da primeira instituição em Portugal com a missão de promover o desenvolvimento da ciência e organizar o sistema nacional.  

Instituto Nacional de Investigação Industrial: a investigação científica aplicada ao desenvolvimento industrial
Ana Carina Azevedo - Instituto de História Contemporânea – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Lisboa
A criação do Instituto Nacional de Investigação Industrial (INII) constituiu-se como um passo relevante no sentido do desenvolvimento industrial por via da investigação, tendo como objectivo promover, auxiliar, coordenar e aperfeiçoar o desenvolvimento do sector no País.
Tal como é referido na lei n.º 2089, de 8 de Junho de 1957, que institui o INII dois anos antes do decreto-lei n.º 42120, de 23 de Janeiro de 1959, que o viria a criar e regulamentar, cabia a este instituto a promoção e aproveitamento dos estudos e investigações de interesse para o progresso das indústrias, de modo a acompanhar a evolução e os progressos científicos e técnicos, bem como a compilação e realização de estudos, ensaios e investigações científicas e técnicas de utilidade reconhecida no âmbito industrial. Ficaria ainda este instituto encarregue de criar, manter ou dirigir museus tecnológicos, laboratórios, instalações de ensaio, estações experimentais, fábricas-escola e centros de estudo ou de investigação, prestando auxílio científico e técnico aos industriais e organismos públicos ou privados que o solicitassem, além de promover iniciativas de divulgação dos resultados obtidos e acções de formação, mantendo em aberto as possibilidades de cooperação internacional nestes domínios.
            Tendo em conta os propósitos expressos aquando da formação do Instituto Nacional de Investigação Industrial, pretendemos suscitar o debate em torno do papel deste instituto enquanto espaço de ciência no domínio da indústria, partindo das vicissitudes que marcaram o seu processo de constituição, sem esquecer a articulação com a conjuntura política e económica da época, que em muito marcou a sua génese e desenvolvimento e reflectindo acerca dos seus impactos e repercussões no tecido industrial português.

A Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica
Tiago Brandão - Instituto de História Contemporânea – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Lisboa
Palavras-chave: Instituições Científicas, Políticas Científicas, Organização e Administração da Ciência, Estado Novo.
Resumo: Seja qual for o valor que se pretenda dar à organização da ciência durante o Estado Novo, no meio de tantas instituições criadas, há uma que importará sempre destacar, é a Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT) – Decreto-Lei n.º 47 791, 11 de Julho de 1967. Este organismo foi criado, em 1967, com a incumbência de “planear, coordenar e fomentar” o esforço de investigação, tanto científica como tecnológica em todo o “espaço português” e sempre tendo presente a “máxima produtividade”. No seguimento das recomendações de organismos internacionais, a criação da JNICT veio assinalar, sem dúvida, uma nova fase no processo de emergência da política científica em Portugal.
A JNICT emergiu assim, no seio do que modernamente chamamos como “sistema nacional de ciência e tecnologia”, com uma missão bem definida e, claramente, distinta da dos restantes organismos existentes. A JNICT foi, sem dúvida, antes de mais, um corpo encarregue da coordenação horizontal, explicitamente reconhecida, articulando os mundos da investigação científica e inclusive com outros sectores da vida nacional. À JNICT cumpria, nesse sentido, orquestrar ou influenciar um conjunto de instituições, entidades ou personalidades no desempenho de diferentes funções tendo em vista o interesse nacional. Para esse fim, contava a JNICT, inicialmente, apenas com o poder de influência do seu presidente, que pouco mais dispunha do que uma vida de contactos e a experiência de um curriculum no campo da administração da ciência em Portugal.
Procurar-se-á trazer então, dentro dos limites que a duração da comunicação venha a impor, aspectos sobre a actuação da JNICT, os contornos da política científica seguida, nomeadamente as opções estratégicas vislumbradas, bem como os debates e polémicas desse período de actuação correspondente ao último acto do Estado Novo (1967-1974).

Ismael Cerqueira Vieira - Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória» | Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Escolas médicas e tuberculose: um olhar sobre as dissertações médicas em tisiologia em Portugal (sécs. XIX – XX)
A tuberculose enquanto doença ubíqua na sociedade portuguesa contemporânea despertou desde meados do século XIX uma atenção especial dos médicos e instituições de ensino médico em Portugal. As escolas médicas portuguesas, enquanto centros de produção de conhecimento e transmissores de ideias e teorias tiveram um papel importante na (re)produção do conhecimento tisiológico.
Da produção/transmissão de conhecimento resultaram a elaboração de dissertações académicas, quer para a obtenção de graus quer para acesso à docência, que são fontes privilegiadas para aferir o estado de conhecimentos e temas dominantes de cada época, os avanços e momentos de estagnação, o aparecimento de novas ideias, etc.
Partindo do tratamento destas dissertações segundo a metodologia de análise de conteúdo, proposto por Laurence Bardin, e assente em procedimentos como a classificação e categorização pretendemos com esta comunicação abordar os seguintes aspectos: primeiro enquadrar a produção de dissertações académicas sobre a tuberculose no contexto geral da produção académica de cada escola médica (Porto, Coimbra e Lisboa), segundo perceber o grau de interesse manifestado por cada uma das escolas no estudo e pesquisa sobre a tuberculose e terceiro aferir os temas predominantemente tratados cruzando-os com factos e acontecimentos no campo da tisiologia em Portugal e no estrangeiro.

O Instituto Câmara Pestana: participação nas redes internacionais de
investigação biomédica
José Pedro Sousa Dias – Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa e Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência, Universidade de Évora 
A presente comunicação procura identificar os principais momentos de interacção da comunidade biomédica de Lisboa com as redes internacionais de investigação, em que existiu uma significativa intervenção do Instituto Bacteriológico de Lisboa, durante os seus primeiros 50 anos de existência, dando particular atenção ao debate sobre a etiologia da doença do sono (1901-1903), à realização em Lisboa do XV Congresso Internacional de Medicina e à constituição da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais (1906-1907) e à criação da Reunião Biológica de Lisboa e primeiros anos de existência da Sociedade Portuguesa de Biologia (1920-1929).


A Angústia da Influência. Cruzamentos da Política e da Ciência
1933-45
Fernando Clara - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Lisboa
A Ciência na Alemanha nacional-socialista - e o termo "Ciência" deve aqui ser entendido num sentido amplo, que inclui tanto as Ciências Naturais (Natur­wissen­schaften), como as Ciências Humanas (Geisteswissenchaften) '- tem sido objecto de vários estudos desde os anos sessenta.
Na sua maioria, esses estudos têm no entanto sido desenvolvidos num quadro historiográfico alemão, especialmente preocupado e interessado em desmistificar as estruturas internas da Ciência na Alemanha da época, os seus espaços e principais actores. Menos atenção tem sido dada assim à circulação (leia-se: influência) desta Ciência fora da Alemanha.
A comunicação procurará dar genericamente conta da circulação desta ‘Ciência Alemã’ em Portugal durante o período em análise, inventariando as questões que ela coloca ao nível das estratégias de produção e recepção dessa influência e chamando finalmente a atenção para a hibridez dos espaços e actores que nela estão (ou se vêem) envolvidos.


Networking for change, Francisco da Costa Lobo's (1864-1945) role in the development of 20th century Portuguese science
Isabel Malaquias - Departamento de Física, CIDTFF, Universidade de Aveiro
After the implementation of the Portuguese Republic in 1910 one individual, Francisco da Costa Lobo (1864-1945), stands out in the promotion and development of Portuguese Astronomical and Mathematical sciences and in opening up the country scientific relations to the exterior. Although Costa Lobo started his scientific activity in the 19th century his main contributions only occurred after 1910 and are apparently consequence of the political regime change. Throughout his career Costa Lobo not only worked on a wide range of scientific topics from astronomy to mathematics but also used novel instrumental techniques as, for example, cinematography. He led the establishment of a world class solar observatory at Coimbra University. Due to his pro-active stance several scientists of international standing came to Portugal. Costa Lobo helped organise the 1925 Coimbra joined congress of the Portuguese and Spanish Associations for the Advancement of Sciences and the 1932 Lisbon Congress of the International Union of Geodesy and Geophysics. He traveled extensively at his own expense, in research field trips, and as the official Portuguese representative
In this work we overview Costa Lobo's scientific work and analyse its impact upon the development of the Portuguese astronomy/astrophysics in the first half of the 20th century.

A ciência e a criação de um «homem novo» português. O pensamento de Barahona Fernandes e a influência das teorias eugénicas alemãs.
Cláudia Ninhos - Instituto de História Contemporânea – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Lisboa
Instituída em 1929, a JEN vai assumir um papel de extrema importância no panorama científico e cultural português, apesar dos seus parcos recursos. Um dos objectivos que esteve subjacente à sua criação foi o aperfeiçoamento do quadro docente nacional, em Portugal e no estrangeiro. Para tal, os intelectuais deveriam ser enviados “aos centros estrangeiros de mais alta cultura”, fomentando-se “uma intensa e eficaz ligação dos investigadores nacionais com os outros países”, para que Portugal pudesse “colaborar no movimento mundial de cooperação intelectual”. Neste âmbito, a Alemanha afirma-se como um dos “centros estrangeiros de mais alta cultura”, para onde a JEN e, posteriormente, o Instituto para a Alta Cultura, enviará os seus bolseiros. Apesar de Portugal ser um país que estava, tradicionalmente, sob uma influência cultural francesa, há já algum tempo que a Alemanha vai ganhando relevo no meio cientifico, académico e cultural português. Aquele país transforma-se, assim, num dos principais destinos escolhidos pelos bolseiros portugueses.
O propósito desta comunicação será analisar o percurso de um desses bolseiros, Henrique João Barahona Fernandes, e a influência que o desenvolvimento dos estudos na Alemanha, entre 1934 e 1936, teve no seu pensamento. Em 1930, Barahona Fernandes definia eugenia, quase poeticamente, como a forma de “dar a morte doce e suavemente, sem torturas do corpo ou da alma, transpondo de mansinho os umbrais que levam para além da vida”. Estando na Alemanha num período em que as teorias eugénicas atingiram o paroxismo, que influências tiveram no bolseiro português? O que aprendeu Barahona Fernandes em contacto com o Kaiser Wilhelm Institut für Anthropologie, menschliche Erblehre und Eugenik [Instituto Imperador Guilherme de Antropologia, Hereditariedade Humana e Eugenia] e com o Universitätsinstitut für Erbbiologie und Rassenhigiene [Instituto Universitário de Biologia Genética e Higiene Racial] e com nomes como Eugen Fischer ou Von Verschuer?

As origens da INVOTAN no âmbito do internacionalismo científico da década de 1950
Paulo Vicente - Instituto de História Contemporânea – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Lisboa
A década de 1950 foi uma década chave tanto para a Guerra Fria como para a história da ciência verificando-se gradualmente uma internacionalização da mesma. No âmbito da cooperação ocidental já previamente iniciada pelo Plano Marshall, respirar-se-á um novo fôlego com o final da Guerra da Coreia e a morte de Estaline que resultará no fortalecimento de uma ponte de relações entre os países da NATO para além do âmbito militar, recaíndo no aspecto civil, já previamente prometido no documento fundador da NATO e num contexto de solidificação de bases para a prosperidade económica, política e social no seio da Aliança.
Este internacionalismo é desde logo destacável com a iniciativa «Átomos para a Paz» (que resulta na Convenção de Genebra) e, mais tarde e após o relatório dos «Três Sábios», na constituição do Comité Científico no seio da NATO. É especialmente neste contexto que Portugal, como membro fundador, vai fortalecer a sua adesão à internacionalização científica quando cria no seio da Presidência do Conselho a oficiosa Comissão Coordenadora para a Investigação para a OTAN (INVOTAN) em 1959. Apesar do seu carácter oficioso, a sua importância não é de todo menosprezável destacando uma actividade exponencialmente crescente tanto na participação dos programas de Bolsas como nas subvenções às Investigações Científicas.
Todavia, é importante destacar que a sua criação é o culminar da conjuntura da década de 1950, onde Portugal veio a participar no forum científico internacional, sobretudo referente aos assuntos nucleares, tendo previamente criado a Junta de Energia Nuclear.
Este estudo serve como ponto de partida para a percepção das origens desta oficiosa Comissão INVOTAN, duplamente produto das tensões conjunturais descritas assim como da aproximação portuguesa aos desígnios norte-americanos baseados na cooperação entre os países da Aliança.








SÁBADO, 25 FEVEREIRO
PAINEL 4 - ESPAÇOS E ACTORES: PROTAGONISTAS DA CIÊNCIA 
A “Junta de Educação Nacional” (1929-1936): cultura e investigação científica. Portugal na Europa do século XX.
Maria de  Fátima Nunes – Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência/Departamento de História, Universidade de Évora
Augusto Fitas - Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência/Departamento de Física, Universidade de Évora
Quintino Lopes - Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência, Universidade de Évora
Palavras-chave: Junta de Educação Nacional; Investigação científica; Bolsas; Congressos científicos
Resumo: Desde o século XIX que o processo de profissionalização da actividade científica se faz sentir em Portugal, nomeadamente pela criação de sociedades científicas, pela publicação de periódicos especializados e por intermédio da realização de congressos científicos nacionais e internacionais. Independentemente dessa realidade, os poderes públicos da época reconhecem o atraso de Portugal em matéria de investigação e ensino. Reformando o ensino superior, a 1.ª República visa a nossa aproximação à Europa cientificamente mais avançada, contudo revela-se incapaz de criar um organismo estatal à imagem da Junta para Ampliación de Estudios y Investigaciones Científicas, fundada em Espanha em 1907. Foi a Ditadura Militar, em 1929, que visando a renovação científica e pedagógica nacional criou a Junta de Educação Nacional. Seguindo de perto a prática da sua congénere espanhola, a JEN institui um sistema de bolsas de estudo no país e no estrangeiro destinado a investigadores de ambos os sexos, apoia financeiramente instituições de pesquisa científica e institui serviços de expansão cultural e intercâmbio intelectual, visando a nossa europeização científica em articulação com a expansão da cultura nacional. Um tão vasto programa de intenções pressuporia dotações orçamentais bem mais elevadas que aquelas disponibilizadas pelo Estado. Contudo, o esforço na prossecução dos seus objectivos manteve-se, procurando a JEN perpassar nacional e internacionalmente a ideia de que este país de longa História e ricas tradições, agora preservadas e divulgadas, não havia olvidado a senda do progresso.

O Eng. Adolfo Loureiro e o Atlas Portuário
Ana Filipa Prata - Instituto de História Contemporânea – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Lisboa
Adolfo Ferreira de Loureiro nasceu, em Coimbra, a 12 de Dezembro de 1836. Morreu, em Lisboa, aos 74 anos de idade. Foi como engenheiro, ao serviço do Ministério das Obras Públicas que se notabilizou, dedicando cerca de quatro décadas da sua vida ao estudo e desenvolvimento do sector portuário nacional. Directa ou indirectamente, em lugares de chefia, como fiscal ou em missão especial, Adolfo Loureiro esteve ligado a praticamente todos os projectos, obras e melhoramentos realizados nos portos do País, entre 1860 e 1911.
A 5 de Julho de 1901, Manuel Francisco de Vargas, ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria, decide encarregar o ‘engenheiro dos portos’, do estudo da situação portuária nacional. Apesar dos melhoramentos e construções levados a cabo ao longo dos anos e das elevadas somas gastas, faltava ainda uma visão de conjunto. Urgia conhecer-se, de modo tão completo quanto possível, as condições, debilidades e potencialidades de todos os portos marítimos e fluviais nacionais, por forma a estabelecerem-se, com acerto, as linhas de rumo para o seu conveniente desenvolvimento.
A obra Os Portos Marítimos de Portugal e Ilhas Adjecentes, composta por 8 volumes de texto analítico-descritivo e 5 volumes de atlas, plantas e projectos, é, pois, o resultado do longo trabalho de investigação e pesquisa levado a cabo pelo engenheiro Adolfo Loureiro.
Trata-se, efectivamente, do mais rigoroso e insistente relato das condições, potencialidades, falhas e faltas do sector portuário português. Para certos momentos do nosso passado portuário, este Atlas Portuário é, de resto, a única fonte de conhecimento de que dispomos.

Agustín Pascual (1818-1883) e Bernardino Barros Gomes (1839-1910). O primeiro ensino florestal em Espanha e Portugal
Ignacio Garcia Pereda - UPM Madrid/ Instituto de História Contemporânea – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Lisboa
Tharandt Forestry Special School (TFSS), created by Heinrich Cotta (1763-1844), emerged in the first years of the XIX century with an impressive, worldwide reputation in forestry engineering. After defining its own engineering education TFSS responded to the challenge its own sense of mission in engineering research, teaching, and practice by assisting in establishing new technical institutions of higher education around the world. This paper focuses on TFSS’s participation in the creation of such study centers in Spain and Portugal. This case study explore the Villaviciosa de Odón forestry school (1848-1869), and the first Silvicultura chair in Lisboa (Instituto Gerald a Agricultura, 1864-1910). The aim of establishing an international system of expertise with TFSS at its apex reveals both the strengths and the limitations of the “export” effort.
This essay will try to study some of the caracteristichs of export of the Tharandt forestry  school to peripheric countries like Spain and Portugal. Secondly, once the academic training of experts or professionals has become established, it starts an internal evolutions. In the Spanish case, and with the moving of the school to El Escorial in 1869, this change finished with most of the points of the original German “shop culture”, when Spanish foresters began to question the ability of the founders of the profession in the country. Yielded a problem of "school vs. shop" with respect to the education of young engineers.

Ruy Cinatti e a abertura de Timor à pesquisa internacional
Cláudia Castelo – Instituto de Investigação Científica Tropical
O Estado Novo encarava o império como um espaço destinado preferencialmente a cientistas nacionais. Os estrangeiros que pretendessem realizar trabalho de campo nas colónias portuguesas, dependiam do parecer favorável da Junta de Investigações do Ultramar, órgão de cúpula da política científica colonial, e da sua orientação ou coordenação. O material colhido nas colónias só podia ir para o estrangeiro mediante a entrega de duplicados para estudo e exibição em Portugal.
Ruy Cinatti (1915-1986), reputado poeta, mas também agrónomo, coletor e etnólogo, viveu e trabalhou em Timor português. Como investigador da Junta de Investigações do Ultramar, contribuiu para a abertura da parte portuguesa da ilha à comunidade científica internacional.  Nesta comunicação proponho-me analisar o perfil, motivações e percurso de Cinatti; e o papel – decisivo mas pouco conhecido – que desempenhou na troca e circulação de saber sobre Timor e, concretamente, como instigador e facilitador de pesquisas de estrangeiros naquele território, nas áreas da botânica, da antropologia e da arqueologia.

Emília Gomes - Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência, Universidade de Évora
Movimento de «scholars» portugueses na Europa: geografias científicas do século XX

António Mota Aguiar - Instituto de História Contemporânea – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Lisboa
Apontamentos para a História da contenda entre António Sérgio e Abel Salazar sobre a “Falência da Metafísica”

Costa-Sacadura (1872-1966) e a sua obra científica: os seus contributos para a higiene e construção escolar em Portugal na transição do século XIX para o séc. XX
Sofia Fernandes - Centro de Investigação em Arquitectura, Urbanismo e Design – Faculdade de Arquitectura, Universidade Técnica de Lisboa
Sebastião Cabral da Costa-Sacadura (1872-1966) constituiu-se como um dos mais ilustres médicos portugueses, formado no final do século XIX, obteve o seu diploma em 1898 com distinção pela Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Nasceu em Abrunhosa-a-Velha e morou e trabalhou praticamente toda a sua vida em Lisboa. Entre outros elevados cargos exerceu, com reconhecido profissionalismo e esmero por parte dos seus colegas, 46 anos (1896-1942) de serviço prestados aos Hospitais Civis de Lisboa. Dedicado desde cedo à obstetrícia, a sua carreira foi de uma ascensão contínua, a sua vida pública é associada aos Hospitais, Maternidades, Escolas e Sociedades de Ciências Médicas onde exerceu funções de clínico, director, investigador e professor. Deu aulas em várias Escolas, nomeadamente na Escola Normal Primária onde ministrou as cadeiras de Higiene Geral, Higiene Escolar e Pedologia. Foi autor de cerca de 200 obras bibliográficas e realizou inúmeras conferências em congressos nacionais e internacionais. Tinha grande gosto pelo estudo da História das Ciências Médicas e tinha como preocupações científicos temas relacionados com a Obstetrícia, a Puericultura, a Hidrologia e assuntos ligados à problemática da Higiene Escolar. Neste último campo destaca-se como figura basilar na implementação de uma acção médica em espaço escolar. Manteve-se 21 anos à frente dos Serviços de Sanidade Escolar durante os quais elaborou estudos sobre as Doenças em espaço escolar, Edifícios escolares, Mobiliário e material escolar e Exercício físicos e higiene escolar. A sua experiência e saber serão determinantes nos trabalhos levados a cabo no âmbito da primeira Comissão encarregue de fixar as normas técnicas higiénicas e pedagógicas a que devem obedecer os novos edifícios escolares, publicada em portaria a 13 de Julho de 1912, e composta por Costa Sacadura, pelo arquitecto Adães Bermudes (1863-1942), antigo director das construções escolares e o pelo professor Arlindo Varela, vogal do Conselho Superior de Instrução Pública.
Palavras-chave: Costa-Sacadura, Higiene Escolar, Construção Escolar

Bettencourt Ferreira (1866-1948) e a divulgação científica em Portugal
Marisa Costa – Universidade de Lisboa
Júlio Guilherme Bettencourt Ferreira é um nome conhecido de poucos em Portugal. Da sua biografia não se sabe muito mais do que as datas de nascimento e morte, bem como os locais da sua formação académica e das suas actividades profissionais. Formado na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, exerceu medicina e foi docente nas faculdades de ciências das Universidades de Lisboa e do Porto. Desempenhou, ainda, funções de naturalista do Museu Bocage, em período que mais recentemente foi possível situar entre, pelo menos, 1898 e 1924.
Felizmente, possuímos mais elementos referentes à sua obra, embora se revelem bastante incompletos quando desejamos ter uma ideia global da sua actividade científica. Esses elementos permitem, porém, perceber que Bettencourt Ferreira desenvolveu uma prolífica produçãlo académica, não se tendo limitado, nem à participação em congressos, nem à publicação de trabalhos na área da sua especialidade. Colaborou em missões, fundou associações e, na qualidade de sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa desde 1899, marcou presença activa nas sessões da Primeira Classe.
É igualmente do domínio público que o médico, docente e naturalista desenvolveu uma actividade regular na imprensa periódica portuguesa. Só no Diário de Notícias, Bettencourt Ferreira deixou registadas dezenas de ‘crónicas científicas’ ao longo de praticamente todo o primeiro quartel do século XX. Com uma periodicidade quinzenal, a secção da sua responsabilidade contemplou uma enorme variedade de temas e de disciplinas. Graças a ele, muitas novidades do mundo da ciência chegaram ao conhecimento dos Portugueses através dessas crónicas. Actuando como um verdadeiro agente cultural, este homem desempenhou certamente um considerável papel na circulação do público entendimento da ciência em Portugal.

A mulher como novo actor na ciência tropical do Portugal de novecentos
Ana Cristina Martins - Instituto de Investigação Científica Tropical
Sendo um tema ainda relativamente recente na produção historiográfica portuguesa, o estudo do contributo das mulheres para o progresso da ciência no país tem recuperado e desvendado nomes importantes para a compreensão geral da sociedade, cultura e mentalidades ocidentais ao longo das últimas duas centúrias.
De entre os inúmeros contornos a merecerem uma análise mais aturada, realçamos o modo como algumas mulheres abraçaram a ciência nos trópicos, concorrendo assim para o desenvolvimento e afirmação da ciência colonial portuguesa. Representando uma das áreas menos examinadas no âmbito da História e da Filosofia da Ciência e da Técnica, insta recuperar os seus nomes; observar o trabalho produzido; perscrutar a sua participação em reuniões científicas; apreciar as suas publicações; restabelecer o seu percurso académico e redes de contatos científicos. De posse destes elementos, apreender-se-á o alcance e a dimensão das suas prestações para a consolidação de diferentes saberes, sobretudo da ciência nos Trópicos. Somente desta forma arrancaremos do olvido ou do anonimato mulheres que, por um conjunto de situações, foram subalternizadas ou votadas ao esquecimento, não obstante a consistência do serviço prestado.
Lançando um primeiro olhar sobre a generalidade deste tema, enquanto novo espaço e actor da ciência no Portugal novecentista, examinaremos a produção científica colonial de mulheres botânicas nos primeiros anos da Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais (= arquivo de ciência), mormente no que respeita às missões dos anos 40.

António Oliveira Pinto S.J. e as primeiras experiências com Radioactividade em Portugal
Francisco Romeiras - Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia- CIUHCT-UL
A Companhia de Jesus fundou e manteve em funcionamento duas importantes instituições de ensino secundário em Portugal: os Colégios de Campolide em Lisboa e de São Fiel em Louriçal do Campo, no distrito de Castelo-Branco, de 1858 a 1910. Estes Colégios foram pioneiros no ensino e na investigação de áreas científicas tão díspares como a Física, a Astronomia, a Botânica e a Zoologia em Portugal, pelo que o estudo das suas actividades científicas representa uma ferramenta essencial para compreender a História da Ciência em Portugal neste período. Nesta comunicação pretendemos dar a conhecer as contribuições de António Oliveira Pinto S.J. (1868-1933) para a História da Física em Portugal no início do século XX. O Jesuíta revelou-se um promotor dos estudos experimentais e, ele próprio, um experimentalista de cariz internacional. Terá sido dos primeiros cientistas portugueses a fazer experiências com TSF, no Colégio de Campolide, e o primeiro a apresentar uma comunicação, contendo resultados originais, no segundo Congresso de Radiologia e Ionização em Bruxelas, no ano de 1910, depois de uma viagem científica onde passou pelo laboratório de Marie Curie e aprendeu as técnicas radiológicas mais recentes.

Combatendo epidemias: Bernardino António Gomes, Sousa Martins, Ricardo Jorge, Câmara Pestana, Almeida Garrett, Fernando da Silva Correia
Maria Antónia Pires de Almeida - Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa
Com as biografias dos principais médicos responsáveis pela transição sanitária em Portugal descrevem-se os percursos dos agentes que colocaram em prática as medidas mais importantes de controlo das doenças endémicas e epidémicas que assolaram o mundo ocidental e mais particularmente a cidade do Porto entre os meados do século XIX e início do XX. A sua formação e atuação profissional, académica e científica revelam-nos o valor destes protagonistas da ciência em Portugal, que demonstraram o seu valor em períodos de graves crises epidémicas. A emergência das situações sanitárias com que foram confrontados e a responsabilização, por parte das autoridades, de todo o processo de controlo e eliminação da doença são a prova da confiança que foi depositada nas suas capacidades. Foi nos períodos mais críticos que os cientistas portugueses foram confrontados com o estado da arte dos conhecimentos internacionais e provaram que a ciência médica em Portugal estava ao nível do das maiores potências da sua época, com os seus protagonistas a dialogarem em pé de igualdade com os interlocutores estrangeiros, tanto os que se deslocaram a Portugal para estudar as epidemias e publicaram obras científicas elogiosas dos profissionais portugueses e das medidas tomadas, como os maiores especialistas mundiais, representantes dos seus países nas conferências sanitárias internacionais realizadas ao longo do século XIX para discutir as medidas para combate às mesmas.
Tal como afirmou Rosenberg (1987), os períodos de epidemia declarada constituem oportunidades únicas para a observação das sociedades e dos momentos históricos. E o retrato que se faz da cidade do Porto nesses momentos é, nas palavras dramáticas de Ricardo Jorge, o de uma “cidade cemiterial”, onde as “ilhas” eram factor de proliferação de doenças, com especial destaque para a tuberculose (1899) e as epidemias tinham especial predileção pelas “classes ínfimas, mal alojadas, mal tratadas e mal mantidas” (1918).

PAINEL 5 - PATRIMÓNIO MUSEOLÓGICO E ARQUIVOS DE CIÊNCIA

Madalena Ribeiro - Fundação para a Ciência e Tecnologia e Instituto de História Contemporânea – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Lisboa
Paula Meireles (Fundação para a Ciência e Tecnologia e Instituto de História Contemporânea – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade de Lisboa
Os Arquivos de Ciência
A história da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, IP (FCT), e das instituições antecessoras, tende a confundir-se com o percurso da própria história da ciência e tecnologia e da organização da ciência em Portugal. A par desse passado histórico, a FCT é herdeira e detentora de um significativo património, com larga predominância de acervo documental, que inclui, para além do seu próprio arquivo, o espólio da JNICT e de outros organismos públicos e privados.
A FCT tem desenvolvido várias iniciativas no sentido de garantir a preservação, organização e divulgação do seu arquivo histórico, valorizando o seu carácter verdadeiramente singular e único no que respeita ao conhecimento da história da organização e administração da ciência, das políticas científicas e, afinal, da própria história das ciências em Portugal, perspectivando-se mesmo um espaço de cultura e memória que pode integrar outros contributos, nomeadamente acervos pessoais, que encontrariam nessa integração um lugar adequado que garantiria a sua salvaguarda e que de alguma forma completaria e alargaria esse património nacional que o Arquivo de Ciência e Tecnologia da FCT pretende ser.

O Desenvolvimento científico e o coleccionismo privado: o Museu Nacional de Arqueologia e António Paes da Silva Marques (1912-1940).
Elisabete Pereira - Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência, Universidade de Évora
Maria de Fátima Nunes - Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência/Departamento de História, Universidade de Évora
Maria Margaret Lopes - Museu de Astronomia e Ciências Afins - Rio de Janeiro, Brasil
Palavras-chave: colecionismo, circulação do conhecimento, disseminação científica colecionismo, Museu Nacional de Arqueologia
Abstract: A implementação e consolidação de instituições e a preservação do património histórico/arqueológico decorre, em grande parte, do estabelecimento de redes popularização e comunicação científica. António Paes da Silva Marques (1876-1950), colecionador/informador do concelho de Avis (Alentejo), foi uma das personalidades que integrou e beneficiou dessas redes, conjugando a sua acção a nível local com redes globais de disseminação do conhecimento. Antigo aluno da Escola Politécnica de Lisboa, administrador do concelho de Avis e deputado pelo círculo de Elvas durante a primeira república, integrou um sistema de trocas de informação, documentação e objectos fundamental para o crescimento das colecções do Museu Nacional de Arqueologia e para o progresso do conhecimento científico. Focalizando a conjuntura das suas experiências intelectuais, nomeadamente a conjugação dos contextos do coleccionismo privado com o mundo académico e museológico, identificaremos as práticas culturais e científicas deste coleccionador, analisando redes e circuitos de comunicação da ciência, de forma a concluir sobre a trajectória percorrida desde a «curiosidade do colecionismo» à difusão da cultura científica. Particular atenção será dada à trajectória de algumas peças colectadas por António Paes que chegaram a ser apresentadas no Congresso Internacional de Arqueologia de 1912.

O Instituto Industrial do Porto e a divulgação da Ciência na segunda metade do
séc. XIX
Patrícia Costa - Museu do ISEP, Instituto Superior de Engenharia do Porto, Politécnico do Porto,
Helder I. Chaminé - Instituto Superior de Engenharia do Porto, Labcarga|ISEP e DEG; Centro GeoBioTec
Pedro M. Callapez - Centro de Geofísica; Departamento de Ciências da Terra | Universidade de Coimbra
Palavras chave: ensino industrial, conhecimento científico, colecções didácticas, Regeneração, Portugal.
Resumo: Com a criação, em 1852, da Escola Industrial do Porto, iniciou-se uma importante etapa na divulgação da ciência junto das novas classes de trabalhadores, graças ao esforço de industrialização nacional.
O ensino industrial destacava-se por uma forte componente prática, comprovada pela criação multidisciplinar de laboratórios e gabinetes científicos, que possibilitavam aos alunos o acesso a actividades experimentais em áreas ligadas aos novos processos tecnológicos. Anualmente eram adquiridos no estrangeiro instrumentos, aparelhos, modelos, espécimes, minerais e rochas, com o fim de equipar estes espaços com o que de melhor se produzia e se empregava nas principais escolas dos países líderes da Revolução Industrial.
O acervo de Mineralogia, Petrologia e Paleontologia hoje existente no Museu do ISEP, é proveniente de fornecedores especializados de França (Les Fils d´Émile Deyrolle e J. Digeon) e da Alemanha (Theodor Gersdorf e Friedrich Krantz) e ilustram o contexto económico, onde a indústria extractiva desempenhava um papel fulcral na obtenção de carvão e de outras matérias-primas estratégicas. Deste modo, é natural que a Geologia e Arte de Minas tenham desempenhado um papel significativo na formação académica do ensino industrial principalmente a partir da reforma de 1864.
Competia aos docentes responsáveis pelas respectivas cadeiras a selecção das aquisições. Estes consideravam que as matérias deveriam ser leccionadas na presença de modelos de minas e de espécimes que reproduzissem os principais depósitos existentes. Esta atitude denota um conhecimento muito rigoroso dos métodos de ensino e do material didáctico que se produzia na Europa, proporcionando aos alunos uma constante actualização de conhecimentos, assim como um contacto mais directo com as técnicas actuais.
Em conclusão verificamos que a aquisição destas colecções integrou um esforço acentuado de modernização do ensino em Portugal, adequando-o de modo a contribuir significativamente para o progresso económico do país, através da indústria, comércio e agricultura alicerçados numa mão-de-obra especializada.

O papel da secção zoológica do Museu Nacional de Lisboa na formação de uma comunidade de naturalistas em Portugal (1858-1907)
Daniel Marques - Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia, Pólo Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia
A presente comunicação discute o papel do Museu de História Natural anexo à Escola Politécnica de Lisboa na formação de uma comunidade de zoólogos em Portugal, ao longo da segunda metade do século XIX. Apesar de a Real Academia de Ciências de Lisboa albergar colecções zoológicas desde o século XVIII, a inexistência de uma direcção científica qualificada conduziu à sua progressiva degradação. No sentido de superar esta situação, e de modo a auxiliar o ensino da zoologia na Escola Politécnica de Lisboa, foi acordada a transferência das colecções zoológicas para este último estabelecimento em 1858, onde ficaram sob a direcção de José Vicente Barbosa du Bocage (1823-1907). Através dos seus esforços, Bocage conseguiu reorganizar o Museu por completo, aumentar significativamente as suas colecções e dotá-lo de pessoal qualificado. As suas reivindicações junto do governo resultaram na criação de lugares para que outros naturalistas se pudessem dedicar ao estudo dos numerosos espécimes que afluíam ao Museu, facto que foi fundamental para estimular investigações zoológicas em Portugal. Apesar destas investigações recaírem quase exclusivamente sobre a classificação de espécimes, a necessidade de organizar colecções para exposição no Museu possibilitou o estabelecimento de uma comunidade de naturalistas profissionais que, embora se restringisse a poucos elementos, teve uma produção científica meritória e continuada. Os contributos científicos de diversos naturalistas desta comunidade, como Bocage ou Félix de Brito Capelo, serão analisados através da principal publicação que servia à sua divulgação, o Jornal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes, bem como de outras obras da autoria destes naturalistas.